#Pecuária
Qual será a carne do futuro?
Por: Guto Quirós *Produtor e proprietário da Quirós Gourmet.
Quando você pensa em carne, qual a primeira imagem que vem à cabeça? Um delicioso bife acompanhado de batata frita que certamente foi o prato preferido de muita gente na infância ou um corte mais suculento preparado lentamente na brasa de uma churrasqueira? Essa referência pode mudar nos próximos anos com a ascensão da carne vegetal, um produto que tem sabor semelhante, cheiro e até textura de carne, mas não é carne.
O assunto não é tão novo, pois há alguns anos, principalmente nos Estados Unidos, já existem muitos movimentos contra e a favor as carnes de laboratório. Fato é que esse mercado tem chamado atenção e ligado o sinal de alerta dos produtores de proteína animal.
O estopim desse assunto aconteceu nos últimos meses com a chegada do hambúrguer vegetal no Brasil. O produto feito à base de proteína de ervilha, proteína isolada de soja e de grão de bico, além de beterraba para imitar a cor e o sangue da carne já faz parte do portfólio de pelo menos quatro empresas nacionais. Além disso já é fácil encontrá-lo em prateleira dos supermercados, de grandes centros urbanos ou em cardápio de lanchonetes e redes de restaurante fast-food.
O ponto principal dessa questão é: podemos chamar de carne um produto feito à base de vegetais? Recentemente essa história ganhou um novo capitulo com um projeto de lei que normatiza o uso da palavra “carne” e seus sinônimos, em rótulos e publicidade de alimentos. A iniciativa partiu de pecuaristas de Mato Grosso, Estado que detém o maior rebanho bovino do País, com mais de 30 milhões de cabeças. A Acrimat, associação que representa os criadores, levou o tema à Frente Parlamentar da Agropecuária e conseguiu apoio. O deputado federal Nelson Barbudo (PSL-MT), apresentou um projeto de lei.
O PL 2876/2019 tem como foco a garantia de “transparência ao consumidor e respeito ao produtor”. O projeto propõe a proibição do uso das palavras “carne”, “bife”, “hambúrguer”, “filé” e “bacon” em quaisquer produtos que não sejam “tecidos comestíveis de espécies de açougue, englobando massa musculares, com ou sem base óssea, gorduras, miúdos, sangue e vísceras, podendo os mesmos ser in natura ou processados”.
Descontentes com a iniciativa, 83 empresas lançaram uma campanha contra o Projeto de Lei alegando que o mundo evoluiu, assim como as palavras e seus significados vêm sendo atualizados. Por exemplo, cerveja sem álcool não poderia ser chamada de cerveja? Salgadinhos sabor carne também teriam que mudar a nomenclatura? São perguntas que ainda não têm respostas.
Discussões polêmicas como essa, não são exclusivas do mercado de carnes, outros mercados também passaram por situações semelhantes e tiveram que se adequar. Por exemplo, o setor de curtume teve que se mexer com a chegada dos produtos similares ao couro e aprovou a Lei 4.888, vigente desde 1965 que diz: “é considerado crime no Brasil afirmar que determinado produto é feito em couro sintético ou couro ecológico. Dizer “couro legítimo” é igualmente proibida. Os produtos devem ser identificados apenas como couro. Expressões como estas infringem a Lei, que proíbe a utilização do termo em produtos que não tenham sido obtidos exclusivamente de pele animal.
No mercado de azeites aconteceu a mesma coisa, a Resolução-RDC Nº 270, denomina Azeite de Oliva “o produto obtido somente dos frutos da oliveira, excluídos os óleos obtidos através de solventes ou processos de reesterificação e ou qualquer mistura de outros óleos”. Os demais produtos similares que contenham misturas devem ser identificados como óleos mistos ou compostos.
Sabemos que o mercado de carne de origem animal é gigantesco, e que o segmento de produtos veganos também tem crescido nos últimos anos. Como ainda é um mercado em expansão, não há dados concretos, sobre o tamanho desse nicho vegano, mas estima-se que vá movimentar cerca de US$ 140 bilhões em dez anos no mundo, o que representaria 10% do mercado global de carne. Hoje, esse segmento responde por apenas 1% do mercado internacional de carne.
O grande paradoxo disso tudo é que ao mesmo tempo o cresce a concentração de pessoas que se consideram vegetariana, também aumenta a oferta de proteína animal. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), somente no primeiro semestre deste ano, o Brasil exportou 827 mil toneladas que garantiram um faturamento de US$ 3,12 bilhões, alta de 16,2% em relação ao ano passado.
Graças aos investimentos feitos em genética, equipamentos e principalmente em tecnologia, o setor tem sido mais eficiente, produtivo e sustentável. Iniciativas como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) a cada dia ganham mais adeptos. O sistema é uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Esta forma de integração busca otimizar o uso da terra, elevando a produtividade, diversificando a produção e gerando produtos de qualidade.
Fato é que como todo mercado em potencial, as proteínas alternativas estão na mira das grandes e pequenas empresas que estão buscando um espaço para não “perder a onda do momento”. O posicionamento de muitas delas é se alinhar a filosofia vegana que reitera as preocupações com o suposto impacto ambiental negativo da pecuária e a indignação com as condições de vida impostas aos animais usados nos processos de produção.
Existe mercado para tudo, e todos, porém as proteínas alternativas não devem ser classificadas como carne. Assim como a mistura de outros óleos não pode ser classificada de azeite de oliva e nem materiais sintéticos como couro.
O futuro da carne está no melhoramento genético, foco no bem-estar animal, na rastreabilidade, sustentabilidade, preocupação com o meio ambiente e os avanços na tecnologia de produção. Essa é a carne do futuro, ou melhor do presente, já que todas essas práticas já são realidades em muitas fazendas do Brasil. O resto é apenas um novo mercado que deve buscar seu público por meio dos seus méritos e não criticando um setor que emprega, gera renda e oportunidade de negócios a muitas famílias.