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Cientistas desenvolvem variedades de mandioquinha-salsa que produzem até 80% mais que a cultivar tradicional
Atualmente, são cerca de 15 mil hectares cultivados no Brasil com produção estimada em torno de 150 mil a 200 mil toneladas por anoPesquisadores da Embrapa Hortaliças (DF) desenvolveram duas variedades de mandioquinha-salsa que se destacam por apresentar produtividade bem maior que a variedade Amarela de Senador Amaral, lançada há duas décadas também pela Embrapa, e que hoje domina 95% da área nacional plantada com essa raiz.
As cultivares BRS Rúbia 41 e BRS Catarina 64 produzem até 80% a mais que a Amarela de Senador Amaral. Neste mês elas serão disponibilizadas ao mercado e, pela primeira vez nessa cultura, com mudas certificadas (veja quadro abaixo). Além de melhorar o desempenho da produção, os cientistas pretendem diversificar geneticamente as lavouras, hoje com hegemonia de uma única variedade.
Diversificação genética traz mais segurança
O pesquisador da Embrapa Nuno Madeira, que coordena os trabalhos de pesquisa com da mandioquinha-salsa desde 2002, esclarece que a diversificação dos materiais é importante para a manutenção da cultura. “O domínio de uma única variedade, como era o caso da Amarela de Senador Amaral, fragiliza a cadeia produtiva ao torná-la suscetível a problemas, como surtos de insetos-pragas, doenças, nematoides ou à ocorrência de intenso calor ou frio”, explica o cientista.
As pesquisas em campo mostraram que a grande vantagem da BRS Rúbia 41 e da BRS Catarina 64 está nos níveis de produtividade: de 60% a 80% maiores que a Amarela de Senador Amaral. De acordo com Madeira, nas lavouras em que o produtor colhia 100 caixas, com as novas variedades ele passou a colher até 180 caixas. Esse aumento de produtividade pode reduzir os custos de produção, aumentando a rentabilidade dos produtores rurais.
Variedades potencializam mercado de R$2 bilhões por ano
Atualmente, são cerca de 15 mil hectares cultivados no Brasil com produção estimada em torno de 150 mil a 200 mil toneladas por ano. A cultura envolve cerca de cinco mil famílias e movimenta aproximadamente R$ 2 bilhões anualmente. Oriunda da Cordilheira dos Andes, entre o Peru e a Colômbia, de regiões com altitude entre 1.500 a 2.500 metros, a mandioquinha-salsa, conhecida também como batata-baroa ou batata-salsa, chegou em 1907 ao Rio de Janeiro, de onde se difundiu para regiões serranas do Sudeste e do Sul. Ela também é cultivada no Planalto Central em locais com mais de 1.000 metros de altitude.
No Brasil, a mandioquinha-salsa é uma hortaliça bastante apreciada pelas qualidades culinárias e nutricionais. É um alimento essencialmente energético, com altos teores de carboidratos de fácil digestão. Dentre as vitaminas encontradas na raiz estão as do complexo B (tiamina, riboflavina, niacina e piridoxina) e a provitamina A, além de minerais como cálcio, magnésio, fósforo e ferro.
Sementes coletadas em Brasília e Santa Catarina
As cultivares BRS Rúbia 41 e BRS Catarina 64 são resultado de policruzamento entre dez variedades, dentre elas a Amarela de Senador Amaral, cujas sementes foram coletadas em Santa Catarina e em Brasília. Elas fazem parte de uma coleção com 60 clones superiores, dentre os quais quatro se mostraram bem promissores, sendo que outros dois ainda estão em fase de teste com possibilidade de serem lançados como novas cultivares. O processo de experimentação e validação ocorreu no início da década com a parceria de agricultores de Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Santa Catarina e das empresas de assistência técnica e extensão rural de Minas Gerais (Emater-MG) e de Santa Catarina (Epagri).
As duas variedades apresentam características desejadas, como formato cilíndrico, coloração amarela intensa, aroma e sabor característicos. Além do alto potencial produtivo, elas têm maior produção de mudas por plantas se comparadas com a Amarela de Senador Amaral. O plantio é indicado para regiões com altitudes acima de 800 metros, preferencialmente acima de 1.000 metros, para as os estados de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal. Pesquisas anteriores também têm permitido ampliar o plantio para Santa Catarina e Paraná, que com os três primeiros estados citados são responsáveis pela quase totalidade da produção de mandioquinha-salsa no Brasil.
Novas variedades devem dominar 50% do mercado
“A expectativa é que, em três anos, as variedades Rubia e Catarina atinjam 50% do material que é plantado hoje na região,” prevê Juary Moreira, responsável técnico pelo escritório local da Emater-MG, em Munhoz, no Sul de Minas. De acordo com o técnico, ao todo são cerca de 50 produtores de mandioquinha-salsa em 150 hectares nos municípios de Bueno Brandão, Munhoz e Toledo. Aproximadamente 95% dessa área é cultivada com a Amarela de Senador Amaral. “Isso ocorre porque, até o momento, não havia produção suficiente de mudas de Rúbia e Catarina, o que torna caro para o produtor adquirir esses materiais”, explica.
Na região, a produtividade da variedade Amarela de Senador Amaral é de 800 a 1,2 mil caixas por alqueire. Enquanto que a Rúbia rende 1,5 mil caixas e a Catarina chega a 1,6 mil, de acordo com Moreira. A BRS Catarina 64 tem apresentado maior produtividade, porém tem encontrado um pouco de resistência no mercado em virtude do seu formato. “Por ser um pouco mais comprida, dificulta o armazenamento e a embalagem em bandejas”, relata Moreira. Outra vantagem desses dois materiais destacada pelo técnico é maior resistência a pragas e maior vigor vegetativo do que a variedade Amarela de Senador Amaral.
Certificação inédita de mudas de mandioquinha-salsa
“A Amarela de Senador Amaral dá muita doença, mas na preferência dos consumidores é imbatível. Infelizmente, ela não é tão produtiva e uniforme como essas novas variedades. Ela só vai perder mercado por causa dos problemas que tem apresentado,” analisa Thiago Marques, agricultor de Munhoz (MG). Esse depoimento vai ao encontro da opinião do pesquisador Nuno Madeira: “Não queremos substituir a Amarela de Senador Amaral, mas possibilitar a diversidade de materiais” informa Madeira, que chama a atenção para o fato de a produtividade e a resistência a doenças apresentadas pelas novas variedades estarem também relacionadas à qualidade das mudas.
“Há duas décadas, quando foi lançado, esse material apresentava boa produtividade, mas com o tempo ele foi se desgastando nesse processo de multiplicação tradicional feito pelos agricultores e hoje apresenta diversos problemas, como falta de uniformidade e ocorrência de doenças”, conta o cientista. Por ser de propagação vegetativa, isto é, sem o uso de sementes verdadeiras ou sementes botânicas, normalmente os produtores compram mudas e vão reproduzindo sem os cuidados necessários, de acordo com o pesquisador.
Previsão de quatro milhões de mudas até agosto
Por meio de edital de oferta pública, a empresa Eagle Flores, Frutas & Hortaliças Ltda está à frente do processo de produção e comercialização das primeiras mudas certificadas de mandioquinha-salsa no Brasil. A previsão é que de abril até agosto deste ano sejam comercializadas cerca de quatro milhões de mudas das duas novas variedades.
Para obter a certificação, a empresa registrou os campos de produção de mudas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e passou por vistorias da Embrapa e do ministério. Seguindo as orientações do Sistema de Produção de Mudas (Circular Técnica 161) elaborado pela Embrapa Hortaliças, a empresa plantou aproximadamente 100 mil mudas nos campos localizados em Senador Amaral, Araguari e Serra do Salite (MG), Lebon Regis (SC) e Cristalina (GO).
O gerente nacional de vendas da empresa, José Ricardo Machado, explica por que a empresa decidiu entrar nesse negócio. “Essa decisão foi tomada após a identificação da oportunidade de mercado devido à baixa qualidade das mudas atualmente disponíveis para os produtores”, diz Machado, acrescentando que, considerando os jardins clonais (conjunto de plantas destinado a fornecer material de multiplicação de determinada cultivar), a empresa está no segundo ano de produção.
Com relação às cultivares, ele afirma que “elas são muito semelhantes em termos de produto final e atendem perfeitamente à necessidade do mercado em termos de qualidade das raízes e produtividade. Agronomicamente, cada cultivar tem características próprias que as diferenciam no campo”.