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Novo método funciona como vacina para controle de viroses em tomateiro

Técnica de biologia molecular atua como uma vacina na planta

Novo método funciona como vacina para controle de viroses em tomateiro

Pesquisadores da  Embrapa Hortaliças (DF) estão avaliando novos métodos para controle de viroses em tomateiro a partir da utilização de mecanismos de Biologia Molecular, como o RNA de interferência, ou RNAi. Os primeiros resultados mostram a viabilidade desse novo método de controle, que funciona como uma vacina na planta. Entre as vantagens da técnica está a adaptação para o controle de diferentes vírus, sem envolver transgenia.

Doenças causadas por vírus representam um dos principais problemas no cultivo de tomateiro, especialmente porque há carência de produtos curativos que possam ser utilizados nas plantas após a infecção pelos vírus. Além disso, a aplicação de inseticidas para combater os insetos-vetores e o uso de cultivares com resistência não têm resultado em um controle satisfatório das viroses.

Os cientistas têm estudado diferentes métodos de aplicação de moléculas de RNA correspondentes ao vírus-alvo com a finalidade de ativar o "sistema imunológico” da planta, neste caso, o mecanismo de RNAi. Por analogia, os especialistas consideram que é basicamente como aplicar uma vacina na planta.

Os primeiros experimentos, iniciados há três anos, foram realizados com um tobamovírus (em inglês, Tomato mosaic virus - ToMV), que infecta as plantas e causa a virose denominada mosaico-do-tomateiro. Em linhas gerais, o mecanismo funciona assim: o ToMV é um vírus de sRNA (do inglês, single-stranded RNA), ou seja, um vírus que possui material genético constituído por RNA de fita simples. Ao aplicar no tomateiro uma solução aquosa formulada a partir de moléculas de RNA de fita dupla (do inglês, double-stranded RNA - dsRNA) homóloga ao vírus, as células da planta vão detectar esse corpo invasor em seu citoplasma e acionar uma resposta natural de defesa.

Assim que a planta compreende que há algo errado no seu metabolismo, ela ativa o mecanismo de RNAi e desencadeia uma série de reações para conter a invasão do vírus. Primeiro, enzimas conhecidas como “Dicer” fragmentam a molécula de dsRNA em partes muito pequenas chamadas de siRNA (do inglês, small interfering RNA). Na sequência, esses fragmentos são incorporados em um complexo de proteínas chamado RISC, que vai atuar na degradação das fitas de RNA e inibir o processo de replicação do vírus.

“O silenciamento gênico é um mecanismo de defesa que atua na degradação altamente específica de RNA”, ressalta a pesquisadora Alice Nagata, da área de Virologia da Embrapa Hortaliças, ao esclarecer que a técnica de aplicação de dsRNA na planta – correspondente a uma porção do genoma viral – incita e amplifica o processo de degradação de RNA homólogo, no caso, o RNA do vírus invasor.

Logo, para cada ação, há uma reação. Seguindo o fluxo evolutivo, o vírus constrói um mecanismo de ataque, para o qual a planta elabora outro de defesa e assim sucessivamente. Os vírus, por exemplo, podem utilizar proteínas para suprimir o silenciamento gênico e inibir a via de RNAi para, assim, ter sucesso no processo de infecção da planta. Por isso, toda ajuda da pesquisa é bem-vinda para pender a balança a favor do tomateiro.

O que é RNAi?

O RNAi é um mecanismo natural de defesa dos organismos eucariontes, aqueles cujas células possuem estruturas mais complexas, com o núcleo separado do citoplasma por uma membrana (carioteca) que, por sua vez, funciona como uma proteção para o material genético dentro do núcleo. Fungos, plantas e animais são exemplos de organismos eucariontes.

Aplicação tópica nas folhas demonstra maior eficiência

O mecanismo de RNAi vem sendo estudado por grupos de pesquisas em todo o mundo, especialmente para controle de doenças de plantas, causadas por vírus, fungos ou nematoides. Geralmente, os cientistas têm buscado o desenvolvimento de plantas transgênicas para o controle desses microrganismos.

A pesquisa conduzida pela Embrapa segue uma estratégia nova: a ativação da via de RNAi por meio da aplicação tópica de uma solução aquosa composta por moléculas de dsRNA específicas do vírus que se pretende combater. Dessa forma, não se altera o genoma do tomateiro e, logo, não há transgenia. Os especialistas vêm chamando essa aplicação de vacina porque, quando o vírus atinge a planta, ela já está protegida.

Nos experimentos com o tomateiro contra o vírus ToMV, foram testados quatro métodos de aplicação da solução aquosa, bem como diferentes concentrações de dsRNA, desde zero até 400 microgramas (µg) por planta. “Quanto mais alta a concentração de dsRNA, menor foi a incidência da doença”, explica a bióloga Camila de Moraes Rêgo Machado, bolsista da Embrapa Hortaliças e doutoranda em Fitopatologia pela Universidade de Brasília (UnB). Foram testados diferentes métodos: mecânico - esfregaço da solução juntamente com um pó abrasivo nas folhas; pulverização nas folhas sem pó abrasivo; pulverização nas folhas com pó abrasivo e absorção pelas raízes.

“Comprovamos que a solução com moléculas de RNA de fita dupla (dsRNA) induz resistência no tomateiro contra infecção viral por ToMV. Os ensaios têm demonstrado que conseguimos, em média, 60% de plantas resistentes ao se aplicar o produto antes da inoculação do vírus”, ressalta Nagata.

Os melhores índices de redução dos sintomas da doença foram alcançados a partir dos métodos com o pó abrasivo, que causa microferimentos na folha, como um tipo de esfoliante, e favorece a entrada da solução com dsRNA. O resultado mais promissor foi obtido pelo método mecânico, seguido da pulverização com abrasivo e da pulverização sem abrasivo. Já a absorção da solução com dsRNA pelas raízes não surtiu efeito para ativar o mecanismo de defesa da planta via RNAi.

As plantas infectadas com ToMV apresentam mosaico, deformação das folhas e manchas nos frutos, que prejudicam o desenvolvimento normal. Os cientistas explicam que a severidade dos sintomas e as perdas dependem da época da infecção. A transmissão desse vírus ocorre por meio de sementes infectadas ou de forma mecânica, pelo contato direto entre plantas e implementos contaminados com o vírus.

A pesquisa

“Por se tratar de uma pesquisa exploratória, iniciamos os estudos com o ToMV que, por ser um vírus mais simples de manipular e expressar os sintomas, poderia demonstrar mais rapidamente a viabilidade da metodologia”, enfatiza Camila Machado.

Antes de fazer os experimentos em tomateiros, a equipe do projeto utilizou outras espécies de plantas hospedeiras do tobamovírus como, por exemplo, a planta Nicotiana glutinosa, que pertence à mesma família botânica do tomateiro, as solanáceas. As espécies escolhidas respondem à infecção viral com a produção de lesões locais nas folhas, ou seja, para conter a multiplicação do vírus, a própria planta reage com a morte das células ao redor do ponto de infecção inicial para evitar que o vírus se espalhe por toda a folha. Assim, o vírus fica confinado e a planta não é infectada.

Segundo a bióloga, os testes iniciais nas espécies hospedeiras de ToMV comprovaram que as plantas que receberam o tratamento apresentavam um menor número de lesões, muito possivelmente por conta do fenômeno de silenciamento gênico na planta, isto é, houve a destruição do RNA viral a partir da ativação do mecanismo de defesa do RNAi.

Os ensaios foram realizados em câmaras de crescimento vegetal para que fosse possível garantir condições ambientais uniformes de temperatura, umidade e luminosidade ao longo de toda a avaliação. A próxima etapa, então, foi avaliar a metodologia com as plantas de tomate, já que o objetivo final da pesquisa é desenvolver um produto que possa ser utilizado pelo setor produtivo para o controle das principais viroses do tomateiro.

Por isso, os cientistas buscam estimular a ativação desse mecanismo de defesa na planta, via RNAi, para que ela possa se proteger contra a ação de vírus que prejudicam seu desenvolvimento e reduzem sua produtividade. Entre as principais vantagens da utilização de métodos alternativos para o controle de viroses no cultivo de tomateiro destaca-se a redução da dependência de defensivos químicos, o que contribui para melhorar a sustentabilidade do sistema de produção.

Nova fase avalia outros vírus e duração da proteção

Após os resultados positivos com os experimentos de ToMV em tomateiro, a equipe do projeto ampliou a pesquisa para outros vírus, como o potyvírus (PVY), também um vírus de RNA. O intuito foi testar a hipótese de que um vírus menos agressivo poderia apresentar índices ainda melhores de redução da taxa de infecção. Contudo, o percentual de redução da incidência da virose causada por PVY foi semelhante ao da virose por ToMV.

“Nós alcançamos resultados expressivos com os vírus avaliados até aqui e, a partir do ano que vem, vamos trabalhar com um vírus ainda mais desafiador, o tospovírus Groundnut ringspot virus (GRSV), um vírus de RNA transmitido por um inseto conhecido como tripes. Os tospovírus são responsáveis pelo desenvolvimento da doença conhecida como vira-cabeça do tomateiro”, registra Erich Nakasu, biólogo da Embrapa Hortaliças.

Outra frente da pesquisa será a análise da duração do efeito protetivo da solução aquosa com dsRNA do vírus-alvo. Na fase atual, os pesquisadores estimam que a resistência dure poucos dias e, para prolongar esse tempo, eles estão estudando novas técnicas de aplicação do produto na planta para viabilizar sua introdução dentro das células com o uso de nanotecnologia. Segundo a pesquisadora da Embrapa Lucimeire Pilon, a nanoencapsulação do dsRNA pode contribuir para aumentar a resistência do dsRNA aplicado no ambiente agrícola e entregar com maior eficiência o dsRNA na planta.

A equipe também se dedica a estratégias para viabilizar o método em maior escala de produção. A pulverização do produto com o pó abrasivo, por exemplo, resultou em bons índices de proteção contra os vírus e pode ser uma técnica mais viável de ser adotada pelos produtores rurais do que a aplicação mecânica. “Ainda temos várias etapas de pesquisa e anos pela frente, mas nosso ponto de chegada é um produto que tenha um valor acessível e seja simples de aplicar nas lavouras de tomateiro”, conclui Machado.

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