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#Enrique Alves

Cafeicultura “Guest friendly” – Conexão fina do campo à xícara

Cafeicultura “Guest friendly” – Conexão fina do campo à xícara

O Brasil é conhecido como “a nação do café”, maior produtor, exportador e segundo mercado consumidor. É também o maior exportador de cafés especiais do mundo, cerca de 20% das exportações são de grãos de alta qualidade.  Tudo isso, é fruto de uma cafeicultura que evoluiu muito em base tecnológica, sustentável e que vai muito além da “commodity”.  O país possui uma grande diversidade de “terroirs”, regiões de excelência que se espalham de norte a sul. Um verdadeiro “blend” edafoclimático, cultural e genético, que é tão miscigenado como o próprio Brasil.

O género coffea possui cerca de 124 espécies, mas apenas duas, Coffea canephora e Coffea arabica, são produzidos em escala global. E o Brasil, em função da sua diversidade e continentalidade, cultiva com excelência as duas espécies. O que traz grande capacidade competitiva e uma paleta enorme de aromas, sabores e nuances para as bebidas brasileiras.   Apesar de toda essa riqueza, o Brasil parece ainda desconhecer que possui uma das cafeiculturas mais emblemáticas do mundo. De certa forma, se contenta em ser reconhecido pela sua capacidade de escala e padronização da produção. Isso tem seu mérito, o país detém quase 40% do mercado mundial. Mas, ainda há mais para oferecer, existe qualidade de vida e agregação de valor que vai muito além das commodities.

Com muita tecnologia, história e tradição, que remontam os tempos coloniais, a cafeicultura pode nos proporcionar uma verdadeira imersão neste mundo de experiências culturais e sensoriais, movido à cafeína. No brasil, o café possui mais regiões com selos de Indicação Geográfica - IG que produtos nobres como o vinho. Atualmente são reconhecidas dez denominações de origem e cinco indicações de procedência.  E, existem muitos meios de valorizar e apreciar toda essa diversidade, o turismo é um deles. Uma forma de conhecer “in loco” como se dá a gênese da bebida que preenche a sua xícara. Se trata, antes de tudo, em compreender e valorizar esse universo em sua essência e originalidade.

Esse é um processo que vai além do simples apelo comercial do turismo. É a capacidade de reinvenção da cadeia, o momento de jogar as cartas na mesa. Mostrar os bastidores da produção de uma das bebidas mais consumidas e adoradas do mundo. É como se a cafeicultura fosse um restaurante, que transforma a sua cozinha em vitrine, atração principal. Essa transparência evita más interpretações e gera conexão, de uma ponta à outra da cadeia.

Muitos especialistas consideram que o mundo do café evolui em ondas. E, o segredo do sucesso desse agronegócio, está em aprender a surfá-las com a desenvoltura de um campeão olímpico. É preciso equilíbrio para se destacar e saber o momento certo de se jogar ao mar em busca de um novo ciclo de ondas. Processo que requer estratégia, manobras e acrobacias. Seja no mar de águas ou café, ninguém será memorável apenas pela quantidade de ondas que surfou. Vale mais o fato de ser original, único e mexer com os sentidos do expectador.  Precisa gerar uma conexão, com o ambiente, o mar, a prancha e o público. Portanto, surfar não é apenas ficar em pé enquanto a onda passa.

Como bem definiu uma das lideranças da cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro, o Agrônomo Juliano Tarabal: “ Estamos vivendo o princípio da quarta onda de evolução da cafeicultura. Período em que a conexão entre o cafeicultor e os consumidores se torna muito estreita e intrínseca à realidade e demanda de cada um. Muitas vezes, às distâncias se reduzem a um clique no celular”.

Atualmente, o reflexo de toda essa evolução pode ser visto em algumas embalagens. Estas, são mais que um invólucro protetor, contendo as informações básicas exigidas pela legislação. Elas contam histórias, revelam processos e compartilham experiências de vida. Exibem selos e certificações e, por meio de textos e links digitais, encorajam o consumo consciente e o engajamento socioambiental.

Mas, vivemos a “quarta onda”, e as relações entre setor produtivo e o consumidor, ultrapassam o limite das embalagens e os meios virtuais. Principalmente em tempos “pós pandemia”, nunca desejamos tanto o calor humano e o olho no olho. O processo de se alimentar é uma atividade de doação e empatia. É mais que uma necessidade fisiológica de saciar e sobreviver. Desde o nosso nascimento, a alimentação é um ato afetivo, requer amor, dedicação e cumplicidade.

Os amantes de um bom café, “coffee lovers”, desejam validar no campo a experiência sensorial que vivenciaram na xícara. Conhecer os meios de produção e desvendar a origem dos aromas e sabores. Nesse caminho vão entendendo que, por trás do grão, existe uma complexa interação de vidas: humanas, animais, vegetais e microbiológicas. Um verdadeiro ecossistema que engloba a cadeia de produção, transformação e comercialização, e, que possui mais camadas que a crosta terrestre. 

Mas, para aqueles que desejam conhecer "in loco" como é produzido o seu café favorito, já existem diversas iniciativas interessantes de turismo técnico e cultural para a cafeicultura. Com o intuito de promover uma verdadeira imersão nos “terroirs” dos cafés, em diversas regiões e paisagens brasileiras. Um bom exemplo disso, é o trabalho desenvolvido pela jornalista Kelly Stein. Por meio de uma plataforma, denominada “CoffeaTrips”, ela propõe criar, de norte a sul do país (Rondônia, Pará, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais) experiências culturais, étnicas, humanas e sensoriais. Também existe, na região sudeste, o desenvolvimento de uma rede de apoio ao turismo agrícola, conhecida como: “A Rota dos cafés do Brasil”.

São novas ondas, rotas e caminhos da cafeicultura brasileira. E, o perfil dos surfistas é eclético: "coffelovers", profissionais da cadeia de produção e transformação, cientistas e pesquisadores. São indivíduos que buscam uma maior compreensão e conexão com setor produtivo, motivados por sentimentos como curiosidade, aprimoramento técnico ou o simples amor pela cultura e bebida.

Um bom exemplo desse movimento “Cafeicultura Guest friendly” está evoluindo na Região Matas de Rondônia, berço dos cafés Robustas Amazônicos. Esta região, reconhecida com uma a primeira Indicação Geográfica e Denominação de Origem para café canéfora do mundo, também deu início há um projeto piloto de turismo rural. Baseado na releitura de uma nova cafeicultura, que se torna, a cada dia, mais qualitativa, plural, diversificada e sustentável.

Expedições “piloto” de turismo imersivo na cafeiCULTURA Amazônica tem ocorrido. E os visitantes são bem  ecléticos, são baristas, empresários, admiradores da bebida e jornalistas. Os turistas são apresentados aos ícones que representavam a tecnologia, diversidade e todo o valor agregado da cafeicultura regional.  Foi um período de congraçamento, trocas de experiências e conhecimento mútuo. 

Por alguns dias, produtores, com os mais diversos perfis, se conectaram à ponta da cadeia e surfaram juntos à "Quarta Onda". As dúvidas e questionamentos dão lugar ao reconhecimento de que estamos todos interligados nessa verdadeira "corrente do bem do café".  E que estes momentos são oportunidades transformadoras, que agregam personalidade, valor e autenticidade ao produto.

Desde os primórdios, os cafés especiais contaram histórias e geraram sensações. Mas agora, eles trazem uma troca maior entre quem consome e quem produz. Este contato direto, tem gerado novos produtos e experiências. Atualmente, muito em função das novas tecnologias, é possível se comunicar diretamente com produtor, muitas vezes em tempo real. Isso pode permitir a experiência de fazer parte das decisões do processo produtivo, tirar dúvidas e, até mesmo, encomendar micro ou nanolotes personalizados. Obedecendo-se a janela agronômica correta, é possível ao consumidor escolher entre ambientes, genética e processos de pós-colheita.  É interessante notar que, o país conhecido pela sua escala de sua produção, também abre as portas ao artesanal, intimista e pessoal.   

Estes fatos nos fazem pensar que deveriam existir mais políticas públicas e ações de incentivo para que todas as propriedades se tornassem "guest friendly". Afinal, a nação do café deve se orgulhar da excelência de sua agricultura, da cultura de sua gente e abrir as janelas para as brisas que são mensageiras de novas ondas de evolução. A cafeicultura que se entrega sem filtros a novas ideias, nunca se expressa na mediocridade.

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