#Enrique Alves
Robustas Amazônicos e a evolução rumo à sustentabilidade
Mas afinal, a cafeicultura na Amazônia é sustentável? Para responder essa questão, é necessário antes entender o conceito de sustentabilidade. Se trata de uma forma de resiliência espaço/temporal, em que, as necessidades de uma geração não podem se sobrepor às da geração futura. Então, para uma atividade agrícola ser considerada sustentável, é preciso que ela leve em consideração que os meios de produção podem se tornar finitos. Principalmente se não forem utilizados de forma racional.
Outra informação importante, a sustentabilidade deve ser encarada como um tripé, que tem como suporte questões econômicas, sociais e ambientais. Não se atinge a sustentabilidade plena sem esta observância. Dito isto, a resposta é sim! A cafeicultura na Amazônia é sustentável sob vários aspectos. Mas, ainda existe muito a evoluir.
Primeiramente, há de se levar em consideração que, em mais de 50 anos, o Estado de Rondônia, responsável por mais de 90% de todo o café da Amazônia, conseguiu manter e ampliar a sua capacidade produtiva. Nos últimos 20 anos, saltou de 2 para 3 milhões de sacas beneficiadas de café. Isso, apesar de uma redução de área plantada, superior a 80%. Um aumento de produtividade que saiu de níveis extrativistas inferiores à 10 sacas por hectare, para as atuais 45 sacas. Essa evolução pode atingir outros patamares! Com o emprego de tecnologias adaptadas às condições de cultivo amazônicas, é possível atingir médias superiores a 100 sacas. De forma pontual, alguns cafeicultores tem demonstrado isso na prática.
Então, levando-se em conta a relação espaço/temporal, a cafeicultura se mostrou uma atividade muito resiliente. Como dito, isso, só foi possível graças à incorporação de “Boas Práticas Agronômicas” em todo o processo produtivo. Sempre com o intuito de conservar o que há de macro e micro vidas: no campo, nas matas, nos rios e solos.
Ainda, sob o ponto de vista espacial, poucas culturas têm tamanha capacidade de promover qualidade de vida em pequenas áreas. No Estado de Rondônia, o café é responsável por gerar renda para mais de 17 mil famílias. Cada uma com área média de 4 hectares de lavoura. Cerca de um quinto de toda mão de obra agrícola do estado está empregada nas lavouras de café. Em resumo, uma cultura com estas características representa a sobrevivência da agricultura familiar de pequena escala e menor pressão sobre a floresta.
Apenas para se ter uma ideia, segundo o MAPA, o café possui em 2023 uma área de 65 mil hectares de lavouras em produção e com o valor bruto estimado para a produção de 2,4 bilhões de reais. Já a soja, outro produto agrícola de grande importância no estado, tem estimativa de gerar, em 2023, aproximadamente 5 bilhões de reais. Entretanto, há de se observar que, para gerar o dobro de renda do café, a soja precisa de uma área cultivada oito vezes superior, cerca de 544 mil hectares. Além disso, enquanto o café possui mais de 17 mil famílias de agricultores, o número para soja é inferior a mil.
Em termos agronômicos, a cafeicultura na Amazônia se mostra bastante viável e sustentável. Os Robustas Amazônicos, apesar de não serem plantas nativas do Brasil, são muito bem adaptadas ao clima e solo da região. Com isso, a quantidade de insumos e adequações tecnológicas tende a ser menor. Até mesmo, se comparado à produção em outras regiões tradicionais como o Sudeste. Os Robustas Amazônicos são tolerantes ou resistentes a importantes pragas e doenças do café. Além disso, possuem vigor, rusticidade e se desenvolvem bem até mesmo sem irrigação.
Definitivamente, o café encontrou na Amazônia um “terroir” diferenciado. E o reflexo disso vai além da produtividade, os Robustas Amazônicos tem conquistado mercados consumidores exigentes com as características sensoriais únicas e intrigantes. Isso significa mais renda, qualidade de vida e menor pressão sobre a floresta. Por tudo isso, o “Terroir Amazônico” conquistou o reconhecimento da primeira Indicação geográfica – IG, do tipo denominação de Origem – DO, para cafés canéforas sustentáveis do Mundo.
O cafeicultor e a sua produção na Amazônia
Apesar de toda a evolução, a estimativa é que, atualmente, não existam mais de 10% dos cafeicultores do Estado de Rondônia trabalhando com boas práticas de pós-colheita, visando a produção de cafés de qualidade. Mas essa é uma prática que, a cada dia, incorpora novos adeptos. Então, para entender melhor o perfil desses produtores na Região Matas de Rondônia, a Embrapa Rondônia, em parceria com a empresa Certifica Café, criou um questionário digital que foi aplicado a 65 produtores de cafés especiais da região, selecionados aleatoriamente. Isso torna possível o entendimento da filosofia de produção dos cafeicultores da IG Matas de Rondôniae alguns indicadores de sustentabilidade.
Os produtores de cafés especiais das matas de Rondônia são, independentemente do tamanho, são uma espécie de elite da cafeicultura no estado. Se tornaram referência técnica e propagam seus conhecimentos e experiências.
Com relação ao CAR, 100% declararam possuir e 62% tem licenciamento Ambiental. Para 70% dos entrevistados a área cultivada com lavouras não supera a 5 ha, 22% possui área plantada entre 5 e 15 ha e, apenas 10% possuem área superior a 30 ha. Mais de 40% dos produtores obtiveram média superior a 75 sacas por hectare nas últimas safras. Isto é praticamente o dobro da produtividade média do estado.
A maioria dos entrevistados, 90%, declarou não possuir funcionários fixos. Com relação a qualidade do café produzido, 12% deles se declararam como produtores de cafés especiais, 44% de café tradicional e 44% de ambos. Dos que declararam produzir cafés especiais cerca de 40% produzem microlotes inferiores a 10 sacas, possivelmente vinculados a participação dos concursos de qualidade, que se tornaram populares entre os produtores, o estadual conhecido como CONCAFE e o “coffee of the year” da Semana Internacional do Café.
Quase 93% dos cafeicultores declararam usar algum tipo de agroquímico, enquanto o restante se classificou como orgânico. Entre os que utilizam agroquímicos, 56% dizem respeitar a agenda de aplicação, 36% usam apenas quando tem alguma ocorrência e 8% utilizam quando há casos extremos. Existe irrigação em 100% das lavouras dos entrevistados.
A interação desses produtores e suas lavouras com questões inerentes a sustentabilidade também foi avaliada. Com relação à distância entre as lavouras e as matas, 82% disseram estar a menos de 500 metros e 12% inferior a 1 km. Isso talvez explique a declaração de 72% dos produtores que disseram observar com frequência a presença de animais silvestres na lavoura. Também, 88% responderam que consideram importantes práticas de produção sustentável. A preservação de colmeias de ocorrência natural nas áreas de lavoura é uma preocupação para 50% dos entrevistados e 28% dizem ter instalado colmeias.
Em resumo, existe um caminho de sustentabilidade que vem sendo trilhado pela cafeicultura amazônica. Entretanto, ainda há muito por se fazer em termos de geração de tecnologias de produção sustentável, adequações por parte do produtor e gestão da informação. Mas, é preciso reconhecer o esforço formidável de toda a cadeia em prol da construção de uma cafeicultura que tem tudo para ser um modelo de desenvolvimento agrícola e sustentável para a Amazônia e Brasil. Mas, para que isso se concretize é preciso um esforço mútuo de valorização dos bons exemplos que vêm da floresta. A primeira Indicação Geográfica, do tipo Denominação de Origem, de Cafés Robustas Sustentáveis do Mundo, são exemplo desse esforço comunitário e uma deliciosa bandeira de valorização social e conservação ambiental.
E o futuro, reserva ainda novos caminhos de sustentabilidade para a região. Em 2023 se inicia um projeto de pesquisa de parceria público/privada entre Embrapa Rondônia, Embrapa Territorial, SICOOB e CAFERON, denominado “Serviços Ambientais Gerados pelo Cafés Robustas Amazônicos”. Os resultados a serem obtidos por meio desse trabalho servirão de base para uma possível comercialização futura de “Créditos de Carbono” por parte dos pequenos cafeicultores. Com isso, será possível a criação de um título de crédito para financiar atividades sustentáveis, tal como, uma Cédula de Produto Verde (CPR Verde).