#Stella Cristiani Gonçalves Matoso
Micorrizas arbusculares: importância e perspectivas de aplicação na agricultura rondoniense
Ao falarmos em absorção de água e nutrientes pelas plantas, quase sempre pensamos na raiz. Embora realmente seja o principal órgão vegetal responsável por esta função, para mais de 80% das espécies de plantas terrestres, incluindo a maioria das culturas agrícolas, as micorrizas arbusculares também são fundamentais nesse e outros processos. De forma simples podemos definir “micorriza arbuscular” como a associação mutualística que se estabelece entre as raízes das plantas e os fungos micorrízicos arbusculares.
Esses fungos, embora invisíveis a olho nu, estão presentes no solo e nas raízes, oferecendo diversos serviços ecossistêmicos, ou seja, benefícios ambientais. Como já foi referido, os fungos micorrízicos arbusculares melhoram a absorção de água e de nutrientes pelas plantas (particularmente o fósforo), ao tempo que aumentam a sobrevivência dos vegetais em condições adversas como seca, salinidade e presença de contaminantes no solo. Como se fosse pouco, os fungos micorrízicos arbusculares formam uma substância proteica chamada “glomalina” que contribui com a manutenção da estabilidade física do solo, prevenindo processos erosivos.
É possível otimizar os benefícios derivados da simbiose micorrízica no campo a partir de duas estratégias principais. A primeira, é a implementação de práticas agrícolas capazes de preservar ou estimular as comunidades de fungos micorrízicos arbusculares originalmente presentes no solo. Por exemplo, diminuir o revolvimento do solo e o uso excessivo de insumos químicos, promover a rotação de culturas e manter a cobertura vegetal do solo. Adicionalmente, evitar o plantio repetido ou prolongado de culturas não micotróficas ou com baixo grau de micotrofia (capacidade de formar micorrizas) também é importante para conservar a diversidade micorrízica no solo. Desde o ponto de vista agrícola, destacam-se nessas categorias culturas das famílias Brassicaceae (ex. canola, mostarda, nabo forrageiro, repolho), Chenopodiaceae (ex. quinoa, espinafre) e Amaranthaceae (ex. beterraba). Para uma lista completa das famílias de plantas não micorrízicas consultar Brundett (2009). Finalmente, existem produtos no mercado cuja promessa é justamente a estimulação das comunidades micorrízicas nativas. No Brasil, o fertilizante INRIZZA (Timac AGRO) traz essa proposta, gerando aumentos na nutrição vegetal, a bioatividade edáfica e, finalmente, na produtividade agrícola.
A segunda estratégia é a inoculação de fungos micorrízicos arbusculares. Os inoculantes micorrízicos são uma realidade em diversos países do mundo, onde são comercializados com excelentes resultados na agricultura orgânica e convencional, e inclusive na produção de mudas florestais e recuperação de áreas degradadas. No Brasil, a legislação vigente sobre inoculantes biológicos é regida pela Instrução Normativa SDA Nº 13, de 24 de março de 2011, orientada a inoculantes de bactérias fixadoras de nitrogênio cujo sistema produtivo e de controle de qualidade muito diferem daqueles envolvendo os fungos micorrízicos arbusculares. Consequentemente, mudanças na legislação são necessárias para ampliar a gama de produtos micorrízicos disponíveis no mercado brasileiro.
Pese à referida restrição, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) recentemente autorizou a comercialização de um inoculante micorrízico no País. Trata-se de um produto comercializado no Brasil sob o nome de Rootella BR (NOVATERO BioAg). De acordo com as especificações oferecidas no site da empresa, é o primeiro inoculante do tipo registrado pelo MAPA, apresentando comprovada eficiência no aumento da produtividade de culturas como soja, milho, feijão e trigo.
No estado de Rondônia a aplicação de uma ou ambas as estratégias pode contribuir ao desenvolvimento de uma agricultura mais sustentável e produtiva para a região. Algumas das culturas de maior destaque no Estado são altamente micotróficas. A soja, por exemplo, pode atingir 80% de dependência micorrízica. Na cultura, os fungos micorrízicos arbusculares podem aumentar o crescimento, a absorção de fósforo e nitrogênio e a produção de grãos, sendo esses benefícios ainda superiores se inoculados em conjunto com bactérias fixadoras de nitrogênio (Miranda; Miranda, 2002). Por outro lado, a dependência micorrízica na mandioca pode atingir 95%. A micorriza arbuscular nessa cultura tem sido associada a uma maior produtividade e aproveitamento da calagem e da adubação fosfatada (Miranda et al., 2005).
Outras culturas com elevado nível de micotrofia e igualmente importantes no desenvolvimento atual e futuro do setor agrícola no Estado incluem o café e o algodão. A inoculação com fungos micorrízicos arbusculares estimula o crescimento e a nutrição vegetal no cafeeiro, com consequentes aumentos produtivos (Cogo et al., 2016). Particularmente, a fase de produção de mudas mostra-se como uma das mais indicadas para realizar a inoculação, com efeitos positivos inclusive em clones de café Conilon da variedade BRS Ouro Preto (Ardito et al., 2017), cujo plantio no estado rondoniense vem ganhando cada vez mais espaço. Por outro lado, a recente expansão da cultura do algodão em Rondônia também pode ser favorecida pelo manejo ou inoculação micorrízica, dada a elevada dependência da cultura à simbiose com os fungos micorrízicos arbusculares (Figura 1).
Figura 1. Efeito da inoculação com fungos micorrízicos arbusculares - FMA (A) e colonização micorrízica radicular (B, C) em plantas de algodão. As setas em verde representam a raiz, em vermelho as hifas de FMA, e em branco os esporos de FMA.
Concluindo, seja através da inoculação ou do manejo das comunidades nativas, os fungos micorrízicos arbusculares muito têm a oferecer no caminho a uma produção agrícola ambiental e economicamente sustentável. O seu efeito na nutrição das plantas não apenas pode aumentar a produtividade, mas também reduzir a dependência agrícola em fertilizantes químicos, especialmente os fosfatados. Adicionalmente, os benefícios ecossistêmicos obtidos a partir da implementação das estratégias aqui apresentadas podem ter um papel fundamental no desenvolvimento de uma agricultura mais resiliente, tendo em vista a maior tolerância das plantas micorrizadas aos efeitos negativos das mudanças climáticas.
Referências
Ardito, A.C.; Saggin-Junior, O.J.; Fors, R.O.; Costa, R.S.C.; Silva, E.M.R. Arbuscular mycorrhizal fungi selection for Coffea canephora Pierre ex A. Froehner clonal cultivar conilon ‘BRS OURO PRETO’. Coffee Science 12(4), 486–497 (2017).
Brundrett, M.C. Mycorrhizal associations and other means of nutrition of vascular plants: understanding the global diversity of host plants by resolving conflicting information and developing reliable means of diagnosis. Plant Soil 320, 37–77 (2009).
Cogo, F.D.; Guimarães, P.T.G.; Rojas, E.P.; Saggin-Júnior, O.J.; Siqueira, J.O.; Carbone, M.A.C. Arbuscular mycorrhiza in Coffea arabica L.: Review and Meta- Analysis. Coffee Science 12(3):419 (2017).
Miranda, J.C.C.; Miranda, L.N. Importância da micorriza arbuscular para o cultivo da soja na região do Cerrado. Comunicado Técnico 75, Embrapa Cerrados (2002).
Miranda, J.C.C.; Fialho, J.F.; Miranda, L.N. Importância da micorriza arbuscular para o cultivo de mandioca na região do Cerrado. Comunicado Técnico 119, Embrapa Cerrados (2005).
Timac AGRO: INRIZZA https://www.timacagro.com.br/tecnologia/inrizza/
NOVATERO BioAg: Rootella BR www.rootellabr.com.br
Autoria de:
Rosalba Ortega Fors1; Jessica Danila Krugel Nunes2; Stella Cristiani Gonçalves Matoso3; Angelita Aparecida Coutinho Picazevicz4; Erica de Oliveira Araújo3; Roberta Carolina Ferreira Galvão de Holanda3.
1 Doutora em Ciência do Solo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro;
2 Professora Mestra e Doutoranda do Instituto Federal de Rondônia, Campus Ariquemes;
3 Professora Doutora do Instituto Federal de Rondônia, Campus Colorado do Oeste;
4 Professora Doutora do Instituto Federal de Rondônia, Campus Cacoal.
Contato: gpsam.colorado@ifro.edu.br