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#Stella Cristiani Gonçalves Matoso

Série “Microrganismos do solo: os aliados do agricultor”

O papel dos microrganismos do solo na defesa da planta

Série “Microrganismos do solo: os aliados do agricultor”

Geralmente os microrganismos são vistos no cenário agrícola sob um ponto de vista negativo como causadores de doenças em plantas. Mas o fato é que existem diversos organismos que podem e são utilizados em prol de uma produção agrícola mais eficiente e sustentável. Quando falamos de microrganismos do solo, a diversidade de espécies e as suas complexas relações com o ambiente e as plantas são um mundo de possibilidades a serem exploradas.

Já vimos nesta série, que no solo existem fungos e bactérias capazes de promover um melhor crescimento e desenvolvimento das plantas, e nesta edição abordaremos que é possível cuidar da sanidade das plantas fazendo uso desses organismos.

A rizosfera é a zona em que as raízes das plantas ficam em contato com o solo ao seu entorno e a relação entre os microrganismos que ali residem e as plantas é chamado de microbioma (HINSINGER; MARSCHNER, 2006). Grande parte dos organismos presentes na rizosfera interagem com a planta de forma mutualística, ou seja, são beneficiados pela planta assim como  proporcionam algum benefício ao vegetal, como é o caso das bactérias fixadoras de nitrogênio, rizobactérias promotoras do crescimento de plantas, fungos micorrízicos, organismos que atuam no controle biológico, entre outros.Por outro lado, no solo também existem aqueles microrganismos indesejáveis que são os responsáveis pela ocorrência de doenças radiculares e vasculares em plantas. Tais doenças são causadas principalmente por fungos, bactérias e nematóides que são tratados genericamente como patógenos de solo ou fitopatógenos habitantes do solo.

As doenças causadas por patógenos de solo podem reduzir significativamente o rendimento de várias culturas de valor comercial e social, e são geralmente de difícil controle. Esses patógenos são extremamente adaptados ao solo e podem sobreviver por muito tempo se nutrindo da matéria orgânica ou formando estruturas de resistência como é o caso de Sclerotinia escleotiorum, que é o fungo causador do mofo branco em soja. Esse fungo forma uma estrutura chamada de escleródio que pode permanecer viável no solo por vários anos.

Todavia, há alguns tipos de solo onde determinados patógenos não conseguem aumentar suas populações ou, se conseguem, não causam a doença nas plantas que ali estão. Estes solos são conhecidos como solos supressivos. Essa capacidade do solo de suprimir o desenvolvimento de patógenos ou doenças pode ser causada por fatores ligados às suas características físico-químicas e biológicas, podendo variar a longo prazo de acordo com as práticas de manejo adotadas. TAM et al., 2010 afirmam que a manipulação do solo, o tipo de fertilização empregada e a  rotação de culturas podem influenciar significativamente a capacidade do solo de suprimir doenças de plantas (TAM et al., 2010).

 Na literatura podem ser encontrados relatos de solos supressivos a diversos patógenos, entre os quais podemos destacar Fusarium, Sclerotium, Phytophthora, Verticillium e Pythium que são responsáveis por doenças que causam sérios danos em diversas plantas hospedeiras e perdas significativas na produção de alimentos.

Os estudos realizados com o controle biológico de patógenos de solo são feitos principalmente com fungos e bactérias e seus resultados têm demonstrado que solos com alta diversidade biológica apresentam maior capacidade de suprimir os patógenos (BETHIOL; GHINI, 2005). Desse modo, solos supressivos são comuns em ambientes ecologicamente equilibrados em que as relações entre os microrganismos e os constituintes físico-químicos do solo encontram-se estabilizadas.

Para aumentar a supressividade de um solo aos agentes patogênicos é necessário aumentar a adição de insumos orgânicos e a diversidade de plantas utilizadas na rotação de culturas (BETTIOL et al., 2009), bem como reduzir as práticas de revolvimento do solo  Com a adoção desse tipo de manejo é possível promover um ambiente equilibrado e estável que seja adequado ao desenvolvimento de organismos benéficos em detrimento aos patógenos de solo, conferindo importante estratégia para a sustentabilidade do ambiente produtivo.Os fungos são o grupo de microrganismos mais estudados entre os organismos envolvidos na supressividade do solo em virtude do seu potencial para a geração de produtos comerciais (REZENDE et al., 2021). Entre eles, o gênero Trichoderma (Figura 1) é conhecido por seu importante papel na produção agrícola em virtude da facilidade com a qual colonizam a rizosfera e outras partes da planta e promovem diversos efeitos benéficos para o desenvolvimento vegetal (MAYO PIETRO et al., 2020).

Figura 1 - Efeito de isolados de Trichoderma sobre ovos e formas juvenis de segundo estádio de Meloidogyne enterolobii. Parasitismo de T. longibrachiatum sobre ovo de M. enterolobii (A). Enrolamento das hifas de T. atroviride sobre J2 de M. enterolobii (B). Degradação da parede celular do ovo de M. enterolobii por T. atroviride (C). Parasitismo de T. brevicompactum sobre ovo de M. enterolobii (D). Colonização de ovo de M. enterolobii por T. asperellum (E). Escala de barras: A, C e D= 30µm, B= 70µm, E= 40µm.

Fonte: Amaral et al. (2018).

Trichoderma são fungos de vida livre que possuem a capacidade de exercer o controle biológico por meio de mecanismos como o parasitismo, hiperparasitismo, competição e indução de resistência (GUIMARÃES et al., 2018). Além disso, estudos indicam que esse gênero também atua como promotor do crescimento vegetal pois tem a capacidade de produzir fitormônios, solubilizar fosfatos e outros minerais (FRANÇA et al., 2017). Por ser um microrganismo capaz de desempenhar várias funções em sua relação com as plantas, ele faz parte de um grupo conhecido como microrganismos multifuncionais.

Além disso, já é reconhecido que Trichoderma em combinação com outras espécies como Bacillus sp. ou Rizhobium sp. é capaz de melhorar a eficiência do uso de nitrogênio e induzir a defesa de plantas contra estresses bióticos e abióticos (MAYO PIETRO et al., 2020). A utilização combinada de diferentes microrganismos com diferentes funções é chamada de coinoculação e vem ganhando espaço em culturas como a soja em virtude do potencial sinérgico dessas combinações.

Entre as bactérias que são capazes de atuar no controle biológico, as dos gêneros Pseudomonas e Bacillus são as mais estudadas. No gênero Bacillus, as espécies Bacillus subitilis e Bacillus pumilus atuam como antagonistas tanto de fungos como de outras bactérias fitopatogênicas (BETTIOL et al., 2009). Como já visto, as bactérias são muito importantes, pois seu papel não fica restrito apenas a ação direta nos patógenos por antibiose, que é a produção de compostos tóxicos que podem bloquear o desenvolvimento ou a reprodução do patógeno, ou competição. Elas também são capazes de promover um melhor desenvolvimento e crescimento da planta o que a torna menos suscetível ao ataque de patógenos.

Por fim, podemos afirmar que a saúde da planta está intimamente associada à microbiota do solo e a boa notícia é que é possível fazer o uso de produtos comerciais à base de Trichoderma, Pseudomonas e Bacillus.  É importante sempre respeitar as recomendações técnicas desses produtos para desfrutar das inúmeras vantagens obtidas com a melhoria da diversidade biológica do solo.  Também é fundamental salientar que precisamos melhorar as condições edáficas e propiciar um ambiente adequado para a manutenção do equilíbrio no solo para que esses microrganismos consigam exercer seu potencial de promover o crescimento e a sanidade em plantas cultivadas.

Referências

AMARAL, A. C. T. do; LIRA, V. L.; MOURA, R M. de; TIAGO, P. V.; OLIVEIRA, N. T. de. Biocontrole de espécies de Trichoderma sobre Meloidogyne enterolobii. Anais da Academia Pernambucana de Ciência Agronômica, v. 15, n. 2, p. 159-166, 2018.

BETTIOL, W.; GHINI, R. Solos supressivos. In: MICHEREFF, F.; ANDRADE, D. E. G.T.; MENEZES, M. (Eds.) Ecologia e manejo de patógenos radiculares em solos tropicais. Recife, PE: Imprensa Universitária da Universidade Federal Rural de Pernambuco. 2005. p. 125-152.

BETTIOL, W.; GHINI, R.; MARIANO, R. R. L.; MICHEREFF, S. J.; MATTOS, L. P. V.; ALVARADO, I. C. M.; PINTO, Z. V. Supressividade a fitopatógenos habitantes do solo. In: BETTIOL, W.; MORANDI, M. A. B. (Eds.) Biocontrole de doenças de plantas: usos e perspectivas. Jaguariúna, SP: Embrapa Meio Ambiente. 2009. p. 187-208.

HINSINGER, P.; MARSCHNER, P. Rhizosphere: perspectives and challenges; a tribute to Lorenz Hiltner. Plant and Soil, v. 283, p. vii-viii, 2006.

MAYO PIETRO, S.; CAMPELO, M. P.; LORENZANA, A.; RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, A.; REINOSO, B.; GUTIÉRREZ, S.; CASQUERO, P. A. Antifungal activity and bean growth promotion of Trichoderma strains isolated from seed vs soil. European Journal of Plant Pathology, v. 158, p. 817-828, 2020.

REZENDE, C. C.; SILVA, M. A.; FRASCA, L. L. M.; FARIA, D. R.; FILIPI, M. C. C.; LANNA, A. C.; NASCENTE, A. S. Microrganismos multifuncionais: utilizações na agricultura. Research, Society and Development, v. 10, n. 2, e50810212725, 2021.

TAMM, L.; THÜRIG, B.; BRUNS, C.; FUCHS, J. G.; KÖPKE, U.; LAUSTELA, M.; LEIFERT, C.; MAHLBERG, N.; NIETLISPACH, B.; SCHMIDT, C.; WEBER, F.; FLIEßBACH, A. Soil type, history management, and soil changes influence soil development (Rhizoctonia solani, Pythium ultimum) and air-borne (Phytophthora infestans, Hyaloperonospora parasitica) diseases. European Journal of Plant Pathology, v. 127, p. 465-481, 2010.

Autoria de:

Jessica Danila Krugel Nunes1; Stella Cristiani Gonçalves Matoso2; Angelita Aparecida Coutinho Picazevicz3; Erica de Oliveira Araújo2; Roberta Carolina Ferreira Galvão de Holanda2; Rosalba Ortega Fors4.

1 Professora Mestra e Doutoranda do Instituto Federal de Rondônia, Campus Ariquemes;

2 Professora Doutora do Instituto Federal de Rondônia, Campus Colorado do Oeste;

3 Professora Doutora do Instituto Federal de Rondônia, Campus Cacoal;

4 Doutora em Ciência do Solo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Contato: gpsam.colorado@ifro.edu.br

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